A artista Cecilia Urioste passou dois anos imersa em um diário pertencente à sua avó, conhecido como “diário de remédios” – onde descrevia com detalhes consultas ao médico, suas dores e os medicamentos que estava tomando. Através da narrativa imagética composta por trabalhos fotográficos, reproduções do diário e de fotos do acervo da família, a artista revela, em meio à objetividade aparente das consultas e remédios presentes no diário, a sutileza de uma dor que não pode ser resolvida em simples prescrições.
Os livros fotográficos de Ana Rovatti e Cecília Urioste
21 ago 2019, 16h45
por Mariano Klautau Filho
[…] Em “Para levantar as forças”, Cecília Urioste utiliza o formato para nos colocar em extremo contato íntimo com o pequeno caderno de notas com espiral de arame de sua avó. Na primeira página lemos, na forma de título: “- 1989 – Remédios – Tomei ou estou tomando”. A partir daí, seguimos a cada página uma lista infindável de remédios, seus efeitos bons e maus, seus desdobramentos colaterais, comentários sobre os médicos revelando parcialmente o perfil e temperamento da personagem e especialmente certa capacidade em conviver com a dor física. O diário de remédios ocupa o centro do espaço gráfico da publicação obedecendo a lógica das dobras, o verso das folhas fazendo-o performar como um fac-símile ressaltando a fisicalidade e a proporção do documento por meio da reprodução fotográfica. É desta maneira que a intimidade estabelecida com o leitor é quase total. No entanto, a artista torna o diário presente quase até a metade do livro em um processo suave de apagamento. Quanto mais avançamos, interessados na leitura minuciosa dos remédios e seus efeitos, mais a narrativa da artista vai apagando a escrita numa espécie de fade-out em branco.
É somente a partir da segunda metade do livro que Cecília Urioste insere “suas” fotografias, em parte apropriadas do álbum de família, e em seguida imagens construídas para a narrativa do livro. É por meio das imagens construídas, que fazem alusão a objetos frágeis, fissurados e cortantes, que um inventário de fraqueza e força se completa. Há uma peça solta dentro do livro, um pequeno cartaz dobrável com a foto de um moletom da banda The Police que se conecta à escrita de três linhas da artista no fim da narrativa. Tal conexão se torna uma chave de compreensão sobre a autora do diário dos remédios. E a escrita, mais uma vez, ressalta a presença das imagens, cria nuances e liberta a narrativa para que a obra, antes de tudo, seja um livro de artista. […]
Cecilia Urioste
Nascida de Recife em 1980, lugar onde reside atualmente. Pesquisa artisticamente os mecanismos de controle e funcionamento do corpo e as quatro montanhas que cercam a vida: Nascimento, doença, velhice e morte. Tem interesse especial sobre as funções sociais e relações de poder da medicina e de seus aparatos na sociedade contemporânea. Trabalha predominantemente com fotografia, vídeo e instalações. Para Levantar as Forças é seu primeiro livro, lançado em 2018.