A Rodoviária Plano Piloto fica no coração de Brasília, é por ali que circulam os passageiros que vão de um lugar a outro da cidade. Fiz estas fotografias entre 1981 e 1984, em minha segunda passagem pela jovem capital onde vivi por 20 anos, em quatro períodos. Rodoviária onde se comia pastel com caldo de cana. A cidade completara 21 anos. Eu passava de carro todo dia no meu caminho de casa para o trabalho, ida e volta. Ali, a cara do povo brasileiro, uma galeria de rostos e personagens.
Em várias imagens, aparece, ao longe, o Congresso Nacional, a “Casa do Povo”, habitada pela “elite” política deste país tão desigual, tão injusto com esse povo.
O Plano Piloto está tão associado ao poder político que o povo parece não fazer parte dele. Preferi fotografar as pessoas na rua e não a arquitetura arrojada, não a política.
Vejo a mulher de longos cabelos dourados atravessando o saguão ao entardecer, a moça de vestido branco se sentar antes de acender elegantemente um cigarro, o rapaz magro de camiseta vermelha Louco Amor, motoristas, engraxates, entregadores de jornal, os homens assistindo futebol num domingo à tarde, braços apoiados sobre o balcão da lanchonete, o ruído dos ônibus, dos carros, do vozerio, sotaques nordestino, mineiro, goiano – seria incrível se lembrasse pedaços de conversas –, as longas sombras dos passageiros nas filas, a mulher com bobs no cabelo para ondulá-los, o fotógrafo lambe-lambe onde fiz retratos para o passaporte.
Como um filme um teatro uma performance um balé na rua, a fotografia é sempre documento ficção sonho mistério beleza. Ela fixa o que não se desvenda inteiramente, o culto o encantamento o tempo que passa. José Medeiros, o grande fotojornalista brasileiro, me disse: “O olhar é quem você é, de onde veio, como vê a vida. É a estação terminal.”
Em 1981, recém-chegado depois de sete anos no Canadá e na Venezuela, eu estava na expectativa de reencontrar o Brasil. E, para mim, o lugar mais próximo do Brasil era a rodoviária.
– Joaquim Paiva, 2021
Joaquim Paiva
Nascido no Rio de Janeiro em 1946, Joaquim Paiva é fotógrafo, colecionador de fotografia e escreve seus diários autobiográficos e visuais desde 1998.
Particiou de diversas exposições como fotógrafo e organizou diversas outras como colecionador e curador. Publicou diversos livros, dentre eles “1927-1970” (em homenagem à sua mãe, em 2019); “128 diários” (livro de artista, 2017); “Farsa Truque Ilusões” (2017) e “Foto na hora: lembrança de Brasília” (2013). Em 1981 traduziu a 1º edição em português de “Sobre Fotografia”, de Susan Sontag.
Possui trabalhos em coleções como Biblioteca Nacional da França (MEP, Paris); Centro de la Imagen (México); Museum of Fine Arts Houston (EUA); Museu da Memória Candanga (Brasília), entre outros. Vem revisando portfólios no FotoFest Houston EUA desde 2000, e também em outros festivais, como FotoRio, FestFotoPoa Porto Alegre e Encuentros Abiertos Buenos Aires.
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