No ensaio “As raízes negras da liberdade”, Nikole Hannah-Jones (1976) escreve sobre a importância das lutas dos norte-americanos negros para a formação dos EUA. “Sem os esforços idealistas, incansáveis e patrióticos dos norte-americanos negros, nossa democracia hoje muito provavelmente seria bem diferente – talvez nem fosse uma democracia”, afirma. O texto faz parte do Projeto 1619, edição especial da The New York Times Magazine publicada em 2019 para marcar os 400 anos da chegada dos primeiros africanos escravizados às colônias inglesas na América.
Em artigo escrito especialmente para a serrote, Jason Stanley (1969) reflete sobre como métodos fascistas são adotados por governos supostamente democráticos. Segundo o autor, uma das principais estratégias adotadas é a criação de uma oposição entre seguidores e adversários: “Numa disputa amigo/inimigo não há concessão, nem acordo, nem valores comuns. A verdade é a primeira vítima de uma ideologia que coloca em seu centro a guerra entre amigo e inimigo”, afirma.
O tema dos extremos políticos também é abordado pelo professor Rodrigo Nunes. (1978). Em “Todo lado tem dois lados”, Nunes analisa como a ideia de “polarização” passou a dominar o debate nacional nos últimos anos. Ele busca as origens do conceito no cenário norte-americano e investiga os diversos usos que o termo ganhou no Brasil desde 2013.
Uma das principais escritoras contemporâneas, a poeta canadense Anne Carson (1950) reflete sobre como, ao longo da história, a voz feminina foi retratada de forma negativa. Segundo a autora, “colocar uma porta na boca das mulheres tem sido um importante projeto da cultura patriarcal desde a Antiguidade até os dias presentes. Sua estratégia principal é criar uma associação ideológica do som produzido pelas mulheres com o monstruoso.”
Outro grande nome da literatura atual, o espanhol Javier Marías (1951) analisa a natureza de seu ofício no ensaio “Sobre a dificuldade de contar”. Apresentado como discurso de posse na Real Academia Espanhola, em 2008, o texto argumenta que só a literatura, em seu descompromisso com o rigor dos fatos, pode ser fiel à verdade da linguagem, desde sempre condenada ao erro, à imprecisão e à insuficiência.
A atividade do escritor também é abordada pela autora americana Elizabeth Hardwick (1916-2007). Em “Memórias, conversas e diários”, ela analisa a grande presença na cultura francesa de registros da intimidade de autores consagrados. Nesses escritos, encontra os bastidores da vida literária que se desenrolava em torno de grandes nomes da literatura, como Paul Valéry, Mallarmé e os irmãos Goncourt.
Autor do clássico O médico e o monstro, Robert Louis Stevenson (1850-1894) também está presente nesta edição. Em um texto publicado em 1877, ele faz uma forte defesa do direito ao ócio: “O assim chamado ‘ócio’, que não consiste em não fazer nada, mas em fazer muitas coisas que não são reconhecidas nos formulários dogmáticos da classe dominante, tem tanto direito de dizer ao que veio quanto o empenho de quem trabalha obstinadamente”, escreve.
Outro destaque é o artigo da escritora francesa Marguerite Yourcenar (1903-1987) sobre a obra do italiano Giovanni Battista Piranesi, um dos grandes nomes da arte do século 18. Yourcenar analisa a série Prisões imaginárias, uma das principais obras de Piranesi, composta por 16 gravuras, com representações de escadarias monumentais e subterrâneas.
Vencedor do prêmio Jabuti, o escritor e editor Tiago Ferro (1976) trata do primeiro romance de Chico Buarque, Estorvo, publicado em 1991. Em “País esgotado ou o estorvo do futuro”, Ferro defende que a obra de Chico prenunciou aspectos da atual realidade brasileira, em diálogo com as ideias de críticos como Antonio Candido e Roberto Schwarz.
Esta edição traz também um trecho de um livro inédito da escritora e crítica mineira Maria Esther Maciel (1963). Em verbetes, a autora faz descrições livres e imaginativas de uma série de animais e vegetais que tem Maria no nome. Os textos são acompanhados por ilustrações de Veridiana Scarpelli.
A serrote 34 apresenta ainda um ensaio visual da artista plástica Regina Parra, que assina a capa da revista. Ainda nesta edição, obras de Robert Colescott, Tomi Ungerer, Rodrigo Bivar, José Damasceno, Irma Blank, Andrei Roiter e Vanderlei Lopes.