AMAZÔNIA VISTA POR DOIS FOTÓGRAFOS DE CINEMA, por Maria do Rosário Caetano
Kodato e Malzoni se encontraram, pela primeira vez, no set de filmagem de “Um Anjo Mau” (Roberto Santos, 1971). O primeiro seria o still (autor das fotos de cena) e o segundo faria figuração, já que iniciava carreira no teatro. Só que o assistente de fotografia (o titular era Hélio Silva) deixou as filmagens e Kodato foi promovido a fotógrafo-assistente. O still sobrou para Zetas, que dedicava boa parte de seu tempo livre (que era elástico) à fotografia.
Como os dois só pensavam em imagens (e sonhavam com o mundo do cinema), a amizade se estabeleceu na hora. E só fez crescer com o passar dos anos. Lúcio e Zetas tinham vinte e poucos anos, quando pintou a ideia de filmar e fotografar a Amazônia.
“Éramos dois ‘sem noção’, banhados em sonhos utópicos”, relembram. Daí, que “embarcamos sem pestanejar naquela aventura desafiadora”. Pegaram um mapa da região amazônica, duas câmaras cinematográficas e duas fotográficas, pouquíssimas roupas, quase nada de dinheiro e puseram o pé na estrada.
A aventura não foi fácil. Nakagawa lembra que “graças à amizade”, Lúcio e Zetas “superaram câmeras afogadas pela umidade, fotômetros assados pelo calor, automóveis encalhados, noites mal dormidas, falta de comida”. Eles contaram até com “um guia cego”. Malzoni registra as perdas: “das quatro câmeras que levamos, só uma sobreviveu às condições climáticas da região”.
O saldo da viagem dos dois jovens, apesar da “sem-nocãozisse” aguda, foi dos mais significativos. Dela, resultaram um filme, “Rio Negro”, exibido no Globo Repórter, com narração de José Wilker, e os 700 slides, razão de ser de “Memórias de Rio”.
Quem desencavou o material, cinco décadas depois da aventura amazônica, foi Luísa, que, além de filha de Zetas Malzoni, é restauradora de filmes na Cinemateca Brasileira. Ao manipular o material em busca de sua preservação, ela entendeu que as imagens eram muito valiosas, registro de um tempo passado, e que mereciam compor um livro. Selecionou as fotos e o álbum foi impresso.
Ninguém saberá quem fez esta ou aquela foto. Malzoni comenta, com seu bom-humor característico: “como misturamos os rolos de filme no isopor sem identificá-los, passado tanto tempo, Lucio e eu não sabemos quem é o autor de cada imagem, a não ser daquelas em que aparecemos. Se ele está no quadro, a foto é minha. Se eu estou, é dele. Fora isso, são fotografias nossas, como as imagens do documentário”. Para arrematar: “Que assim permaneça, a ‘autoralidade’ inviável como testemunha de nossa amizade, das coisas que acreditávamos aos 20 anos e em que ainda acreditamos aos 70”. (…)
O diretor de fotografia Lúcio Kodato nasceu em São Paulo em março de 1947. Em 1969 começou a estudar fotografia na Escola Enfoco de Claude Kubrusly, mesmo ano em que iniciou a carreira profissional como fotojornalista nos jornais “Jornal das Artes”, “O Estado de S. Paulo”, “Jornal da Tarde” e revista “Bondinho”.
Lúcio é um dos sócios fundadores da ABC. Foi presidente da associação no biênio 2006-2007 e vice-presidente nos biênios 2004-2005 e 2008-2009. Em reconhecimento ao seu trabalho para o desenvolvimento do audiovisual brasileiro lhe foi concedida a condição de Sócio Emérito da ABC.
Malzoni, que nasceu em 1949, foi ator no Tuca (Teatro da PUC) e participou da montagem de “Pedro Páramo”. Depois do documentário “Rio Negro”, fotografou o curta “O Começo Antes do Começo”, de Márcio Souza e Roberto Kanané. Realizou, como diretor de fotografia, dezenas de curtas institucionais, fotografou longas de Roberto Santos (“Os Amantes da Chuva”, “Nasce uma Mulher”) e trabalhou em filmes de Renato Tapajós, como o longa “Linha de Montagem”, eleito um dos cem melhores documentários brasileiros pela Abracine (Associação Brasileira de Críticos de Cinema), e o média-metragem “Nada Será como Antes. Nada?”
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